sábado, 15 de dezembro de 2012

Pieces:


      Como um homem descalço, a tarde caminhava lenta e calma sobre a areia da praia. As ondas extasiadamente baloiçavam ao sabor do vento, lembrando a irrealidade da beleza do mundo. Enquanto a tarde olhava, com tristeza passageira, o seu rosto velho e gasto reflectido nas águas, sentia-se perpetuado sobre o horizonte a finitude de todas as coisas mundanas. A brisa, com um olhar ausente e alheio à efemeridade corpórea, dançava despreocupadamente com o tempo, enquanto este torneava tudo à sua volta no universo. Do poente ouvia-se um crescendo de fatalidade, um murmúrio quase inaudível, feérico até,  sentia-se um aroma pérfido de perdição. Nada mais do que patéticos subterfúgios do destino à decadência humana, meio artificioso ou subtil aos olhos mortais. Fiquei, entre um misto de terror e fervor, entontecido e entorpecido a observar este belo espectáculo da natureza. 

      Como um homem descalço, vulnerável à sensibilidade a cada pedra encontrada, sensível a cada alma e paisagem, caminhei sobre a vida. 


Imagem por: wilson de figueiredo

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Pieces:


        Do meu quarto andar sobre o infinito, da irrealidade do dia sobre o prisma do firmamento, da imaterialidade do céu à gloria de um raio de sol, concebo mundos inteiramente inexistentes. Divago neles obras de castelos de palha e sonhos de aço puro, perdendo-me em étereas percepções por sentir e incontáveis paisagens por vir.
       Escrevo quadros com tintas celestiais e ilustro naufrágios de textos mortais, com o mundo à cabeceira, adormeço, deificando viagens intemporais.

Imagem por: wilson de figueiredo

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Pieces:

      Há um tempo em que é necessário desprender-mo-nos do que nos desassossega, e derramar o mais puro choro  egoísta. Pois sobre o túmulo da falência nunca choramos a morte, mas sim a falta que ficará aos que vivem. 
        Poderia então derramar centenas de lágrimas escritas, amaldiçoar passados ou profetizar futuros, erguer a minha voz acima da assistente plebe mundana, ou até mesmo, por certo, acastelar sonhos e elevar impérios. Contudo, não o farei. Da resignação que precede a agonia, permanece a humildade de que não será por minhas mãos escrita um alegoria que melhor ilustre o perdão, do que aquela sobre o qual o nosso tempo assenta. Por esta razão, desnorteado, não sei que mais faça para que fique claro, pois facto é, que infalíveis, se o forem, só os deuses, e, conta a história, que até estes são benevolentes e misericordiosos. Seres infalíveis que, sem qualquer afecto, contêm tal arte refinada. 

   Enfim, há um tempo que ao olhar a cidade, permanece apenas saudade, apesar de esta ser agora um instrumento inútil para apaziguar a minha alma cansada.


Imagem por: wilson de figueiredo

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Pieces:

      Vejo-nos dois marinheiros exilados, privados da quietude inóspita que tanto exaltava em nós. Sou, efémero e saudoso navegador que parte agora por resignação de um rugido de finitude. Dobrado e acorrentado pelas tormentas levantadas de uma pérfida barbárie cometida. Enquanto me debruço sobre as ondas, fantasio-te, descrevendo-te como simples humanos sonharam os deuses hipotéticos. Inspiro-me em ti, e na utopia da manhã adoço-me sob efeito da tua imagem, esbeltamente espontânea, deixando-te veres-te nos meus olhos.
      E eis, que se avista a praia ao longe, e esta sorri-te e tu sorridente embriagas-te com o mar, danças com o tempo, mesmo depois do acordar do sol e da sonolência da lua. O vento chama-te, percorre todos os poros do teu corpo, elevando-te às nuvens sedentas de ti e a esse céu azulado empolado que te convida a viajar, e que esmorece com a tua condenação de silêncio. Enquanto o sol se espreguiçava, estavas lá tu, deificando deuses mortais e acariciando a areia torrada cor de mel, e de novo seduzes o mar com o teu olhar nu, só característico de ti. Obrigado.

Imagem por: wilson de figueiredo